“Logo à noite conversamos”
“Logo à noite conversamos”. Era a
frase que bastava, proferida com todo o dramatismo de uma ameaça, para Robert,
criança, passar o dia inteiro em sobressalto, temendo a tempestade que ao final
do dia, irrompendo mansamente pela porta até se abater sobre a sua pessoa numa
fúria desenfreada de raios e bátegas, infligiria sobre o seu corpo terríveis
penas e suplícios. Bastava que a mãe, Medley, pronunciasse esta frase-modelo
para que no espírito de Robert o resto do dia ficasse irremediavelmente
congelado e perdido. E Robert sabia sempre ao que a mãe se referia; a merda que
tinha feito. Bastava que a mãe proferisse tal ameaça para Robert começar a
punir-se, a rogar a Deus para que o castigo não lhe fosse pesado, a dar mostras
de arrependimento e dar azo ao remorso – mesmo que a sua má-conduta fosse
perfeitamente coincidente com as coisas de meninice. E quando a hora da mãe
chegar a casa se aproximava agudizando toda a tensão e dramatismo da situação
Robert ficava ainda mais paralisado, sentado na cama do seu quartinho esperando
que a mãe batesse à porta ou o chamasse num tom de voz vingativo e austero. Mas
raramente isso sucedia. Parece que o dia passado no escritório, ou nas
limpezas, ou a servir às mesas, acabavam por atuar como um bálsamo ou um método
de purificação, e quando Medley voltava a encarar o filho já se tinha extinguido
o olhar furioso e bruxuleando de irritação. A mãe tinha a pele fria da noite
severa que tinha de atravessar a pé para regressar novamente a casa. Trazia um
cansaço de mil anos mas o simples facto de ter e sentir o filho perto de si
refortalecia-a. E muitas vezes parecia ter-se esquecido das traquinices do
filho certamente merecedoras de admoestação (pelo menos!) ou acabava por lhe
explicar com ternura que não podia comportar-se daquela ou daqueloutra maneira.
E Robert podia finalmente livrar-se de todo aquele peso com que ao longo de
todo o dia fora dobrando todo o vigor e intrepidez próprios da sua juventude. Com
o tempo fora também aprendendo as manhas da mãe passando a temer mais as suas
reações intempestivas – que frequentemente envolviam chapadas mescladas com vis
ataques verbais à sua personalidade e ao caráter infame do seu comportamento –
do que propriamente o tom de ameaça velada com que embrulhava a frase: “logo à
noite falamos”. E hoje, já adulto, sorria de nostalgia ao lembrar do esgar
que Medley fazia quando queria expressar o seu profundo desagrado para com ele.
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