Síndrome Peter Pan
Sentia que não crescia, ou que
crescia, mas sempre com um atraso, um delay,
como lhe fosse impossível vencer a distância entre a sua idade real e a sua
real maturidade. Sim, do que se tratava era basicamente de expetativas. Robert
sentia que não era tão adulto quanto aquilo que as pessoas esperavam de si para
a idade que tinha. E compreende-se. Via os outros, os da sua geração, com a
vida praticamente resolvida, um emprego sério, expetativas de vida sérias, um
relacionamento sério, filhos ou filhas sérios, empréstimo de casa sério, tudo
sério. E ele, ele ainda apanhava carraspanas arrastando-se pelas ruas mais
sórdidas até de madrugada, levava no cu, trabalhava como caixa num
supermercado, não tinha filhos, recebia o salário mínimo, não tinha expetativas
nenhumas, nem sabia onde se via daqui a três meses, quanto mais daqui a três
anos. Não tinha crescido; ainda idealizava o mundo de uma certa maneira e
permitia-se a ter sonhos. E já se sabe como são os sonhos desviam-nos a atenção
do que é real, do que é concreto, do que é sério. As pessoas à sua volta sabiam
exatamente o que fazer, como proceder em cada situação de acordo com o
previamente estipulado, ocupavam devidamente os seus respetivos lugares,
saturavam o espaço com o seu dever e o seu sentimento de pertença, compunham o
presépio de sempre, estavam perfeitamente cientes dos seus papéis para cada
lugar e para cada momento. Mas Robert ainda se sentia perdido; ainda não tinha
conseguido perceber como todos os mecanismos afinal funcionavam. O que o
magoava não era a síndrome do Peter Pan é que de facto esforçava-se para
acompanhar aquilo que lhe era exigido, o ritmo da sociedade, o seu respirar,
mas nunca chegava a tempo, os outros eram-lhe sempre tão estranhos como ele era
estranho para os outros; como alguém que representasse uma falha, uma lacuna,
no puzzle em que se devia encaixar. Procurou transformar essa insuperável
distância, dissonância e estranheza numa virtude, mas nem isso o livrou da
existência espetral que então levava, cruzando os interstícios entre a vida clandestina
e a vida clara, qual anjo condenado a deambular pelas paisagens soturnas, desoladoras e
melancólicas do purgatório.
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