Amor platónico

 


Com Medley tinha aprendido a humildade. Sempre se sentira especial, no topo do mundo, uma verdadeira exceção; e como quando conhecera Medley, contactara de perto com ela, tudo subitamente mudara… Sempre vivera como se tivesse uma missão a cumprir; como se fosse o centro do mundo; como se os deuses o tivessem privilegiado e escolhido; como se a Robert estivessem destinados grandes feitos e glórias; e como tudo isso, toda essa arrogância e narcisismo, se tornou vão, mesquinho e minúsculo aos pés de Medley! Com Medley, apesar ou contra a sua carência de beleza física, tivera o seu primeiro e grande amor platónico. Estremecia quando ela estava por perto; desfazia-se quando ela lhe tocava; vivia para a agradar como se sempre estivesse em falta para com ela. Pensava que uma pessoa com aquela natureza merecia toda a sua dedicação, todo o seu esforço e reconhecimento. (Alguma vez conviveram com alguém a que sentimos que devemos tudo pelo simples facto de existirem espalhando o seu carisma no mundo?) Não ousava, sequer em pensamento, tocar-lhe num cabelo que fosse, e ela que já tinha namorado e partilhava a sua intimidade com ele. Mas Robert não a cobiçava nesse sentido carnal ou sequer espiritual. Na verdade sentia-se privilegiado pelo simples facto de a conhecer, de lidar com ela, de poder assistir ao modo como ela brilhava, como era ela excecional em todas as dimensões que consideramos caraterizar a pessoa humana e todo o seu valor e potencialidade. Ao lado de Medley não era atormentado pelo pecado da inveja nem sequer se sentia ofendido e diminuído por ter de constatar que ela era em tudo superior a ele no que concernia àquilo que no seu entender fazia das pessoas, pessoas singulares, ímpares. Oh, que privilégio, que bênção, o acaso, ou quem sabe os deuses na sua vasta e infinita conspiração cósmica, ter proporcionado a si, um sujeito apagado e desinspirado, um homem apático obscurecido pelos seus tramas e guerra interior, o conhecimento direto de tal espírito. Às vezes perguntava-se se Medley era mesmo real, se era mesmo possível existirem pessoas assim, que multiplicadas por milhões pelo planeta fora facilmente salvariam o mundo tornando-o num lugar melhor. Tal como Medley o tornava naquela vila recôndita apartada dos holofotes do mundo.  

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