Já faz séculos que andamos nesse negócio

De inventar uma linguagem nova

Para dizer as coisas antigas

Quantas versões de fim de mundo já não teremos vivido

Quantas tragédias sem par na humanidade e amores intemporais

Somando a guerras devastadoras que tantas famílias separaram

Colocando irmãos contra irmãos

As gerações vindouras serão sempre decadentes em relação às gerações passadas

No fundo as gerações por vir serão sempre um presságio do fim

A civilização está irreversivelmente em colapso iminente 

Quantos lamentos pela perda da idade de ouro

E insistimos na procura de novas formas de dizer o mesmo

Por outras formas e palavras

Quem sabe nos tenhamos tornado pateticamente redundantes

E o nosso ofício se resuma à liturgia

Século após século, ano após ano, dia após dia,

A ratificar a insofismável perda de uma linguagem sobre a verdade

-- Mas qual verdade --

E a declarar a morte de algo que em nós nem nunca sequer teve vivo

Nesse tempo em que não havia distinção entre aquilo que queríamos dizer 

E aquilo que realmente dizíamos

E a palavra pássaro não apenas designava um pássaro 

Pousando pela fresca manhã no peitoril da nossa janela

Como a palavra pássaro era já a encarnação do pássaro

Nessa idade mítica em que como deus o nosso verbo se fazia carne

E os sonhos do divino eram delírios sobre terras ignotas

Utopias, paraísos perdidos, jardins de delícias

Em nós.

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