A fuga ou a mentira
Para que sua avó não morresse do
desgosto de ver o seu neto favorito espatifar, uma vez mais, a sua vida, Robert
passou a empregar uma significa parte dos seus esforços a esconder a verdade da
avó. Nada que não tivesse já visto, se bem que em outra escala, em filmes como
o Underground do Kusturica ou o Good Bye Lenin! do Becker. Fingia que
estava tudo bem, que mantinha o emprego digno – quase de sonho – que na verdade
havia perdido já fazia meses. Na sentença que ditou a sua demissão por parte do
empregador figurava a letras gordas o anátema: Inapto para o posto de trabalho.
Na altura ficara devastado; ainda hoje estava devastado, a diferença é que
acabara, como sempre, por se conformar. O emprego em causa significava a sua
ascensão no elevador social e o reconhecimento da sua inteligência,
personalidade e competência, o seu pretenso “estatuto social”. E acabara por o
perder por seu caráter extrínseca e intrinsecamente inepto; por sua
incapacidade técnica e tibieza de personalidade! Não tinha como admitir mais
este falhanço que apenas acabava por atestar que algo estava errado consigo.
Que Robert, o Doutor Robert, era
somente fogo-de-vistas. Que toda a desconfiança em relação às suas faculdades e
talentos se revelava afinal correta, que tinha razão de ser. Robert já não
conseguia viver com a vergonha de não estar à altura de tudo aquilo que -- por
palavras, gestos e títulos -- prometia. Havia um jogo de aparências, um tráfico
de reconhecimento, que era preciso manter, sob pena de opróbrio e ostracização.
Mas quem não podia mesmo magoar era a sua querida avó, que parecia não querer
partir para o outro mundo sem se assegurar que o querido neto ficava bem. Então,
desde o trágico dia em que o patrão anunciou, sem grande pesar ou cerimónia, o
seu despedimento resolveu fingir que nada tinha mudado. Que continuava feliz e
contente no seu nobre emprego, mesmo que absolutamente destruído por dentro, a
ponto das nebulosas e circulares ideias de suicídio terem retornado em toda a
sua implacável frieza, como se persistissem a empurrá-lo para as varandas dos
décimos andares. Sem ter uma razão particular para isso, para continuar no
mundo, resistia, continuava a empurrar a pedra pela ladeira acima. Para não ser
forçado a confessar a sua derrota, das duas, uma: ou mentia ou fugia. E foi o
que fez. Mentiu a quem não podia fugir e fugiu a quem podia não mentir. No seu
entendimento, dada a humilhação que a sua situação comportava, principalmente a
perspetiva de vergonha sem remissão, não tinha outra alternativa senão agir de
uma maneira ou outra. Para lá desta bifurcação só a deserção absoluta ou a
morte; e, no fundo, esta deserção era já a confissão da incontornável
necessidade de morrer, ao menos diante do juízo de todos esses outros e do seu espalhafatoso
tribunal de marionetes e fantoches. E, no entanto, como a vida era
inexoravelmente breve e os seus dramatismos vãos!
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