A vingança e o sentido da vida


 

Depois de ter falhado em tudo o que o movia era a vingança. E talvez Robert não se apercebesse o quanto o ressentimento lhe roubava os anos de vida; lhe toldava a relação com o mundo tornando a sua existência num fardo e fazendo-o profundamente infeliz. É assim natural que corporizasse uma espécie de bomba-relógio ambulante. Toda aquela frustração acumulada fazia com que vivesse sempre em borderline, no limite. Talvez se tenha mistificado muito para além daquilo que era realmente capaz, daquilo que era realmente; talvez tenha projetado em si – e deixado projetar – demasiadas expetativas. E agora era-lhe quase insuportável gorar essas expetativas, no fundo falhar. No ápice do seu desalento preferia matar-se a ter de confessar, pelos atos, a sua mediocridade, o seu caráter apagado. Então só um princípio, só um móbil, só um impulso, permitia ainda que resistisse a cada queda, a cada volte-face, a cada projeto falhado, a cada humilhação, a cada incapacidade. Enquanto alimentasse o desejo de vingança, uma vingança para além da contingência e do tempo vivido, arranjava sempre motivos para persistir, para continuar a viver. Na sua alma atormentada, enlouquecida, triunfaria sobre todos e todas os que um dia, em algum momento, por um simples e mesquinho pormenor, na sua cabeça o diminuíram. Nada mais do que a história, quem sabe a eternidade, ajustaria as contas com todos estes. Concebia a sua existência mundana, com o seu rol de provações diárias e coleção de frustrações, como o sacrifício necessário e exigido para uma glória que estava além da sua própria vida. Concebia a sua existência à luz de uma espécie particular de messianismo; como se tivesse sido escolhido. É claro que só o seu profundo narcisismo podia explicar tal delírio, tendo por efeito o desprezo pelos outros, o seu rebaixar permanente, a incapacidade de os contemplar para além de um modo perfeitamente instrumental e aviltante. Tudo para Robert pertencia à mole; a essa turba ignorante e malsã incapaz de reconhecer, compreender e consequentemente adorar o seu génio. Vivia sobre o seu umbigo e exigia que todos gravitassem em torno dele. Mas um dos traços que marcam o envelhecimento é a perda progressiva das ilusões, essa lucidez resplandecente de amargura. E à medida que os seus sonhos e esperanças iam, um a um, desabando, também a sua força e coragem se ressentiam, e nem o desejo de vingança era capaz de aplacar a férrea realidade da sua solidão sem par. Robert fora um nome que não chegara a sê-lo, toda a sua grandeza e insignificância residiam em tudo aquilo que prometera mas nunca chegara a cumprir.        

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