Não há acasos



Desesperava na noite fria do silêncio de Deus. Que vida pode afinal haver sem propósito? E não um propósito forjado, uma ficção ou alienação, uma ideologia. Mas um propósito real, tangível, não inventado. Sei lá, qualquer coisa como uma certeza, um fundamento simultaneamente último e primeiro, uma vontade das vontades. Compreendia que de nada lhe valia a liberdade ser um valor absoluto quando não tinha um propósito; e, mais radicalmente ainda, quando estava completamente abandonada a essa liberdade para nada. Estava disposto a abdicar de um quinhão desta liberdade idiota, insignificante, indigna, que não podia ser conceituada por verdadeira liberdade, em prol de um equivalente quinhão de sentido para a sua vinda, ou emergência, ao mundo. Neste mundo paranoico somos todos controlados, olhares escondem-se por detrás de olhares, mas quem controla o controlador? E não existirá um Grande Controlador, o Senhor absoluto da predestinação, o mago, o Mestre da vida e da história, secretamente manuseando todos os fios da existência? Talvez sim, talvez não, a resposta, ou tentativa dela, não é aqui importante. Robert sentia-se tão sozinho, tão estranho e perdido no mundo que cada vez mais dependia de um plano forjado à sua medida, à medida das suas capacidades, daquilo que estava destinado a fazer, das suas obras. Não se importava que outros Robert´s como ele secretamente o manipulassem, que a sociedade não passasse de um imenso espetáculo que tinha nele o único protagonista, que fosse como um rato num gigantesco laboratório. O que importava mesmo era conseguir vencer a vertigem do acaso e também do ocaso. Mais vital ainda era que Deus existisse, seja lá sob que forma ou representação, e que lhe tivesse outorgado uma missão, um desígnio, mesmo se Robert desconhecesse qual era. Que o acompanhasse, que estivesse tão perto dele como Robert estava perto das suas inquietações. E que no momento derradeiro, em estando à prova, o resgatasse da queda; que o livrasse dos apuros em que incautamente se metia. Robert podia desconhecer que mão o tinha salvo, que intervenção de que sujeito, mas pelos sinais, pelo excesso de coincidências, saberia sempre que tinha sido Deus, Deus, Deus. Figura insana, superior a tudo, irrepresentável, fazendo-se presente pela presença de Robert; corpo do mundo pelo corpo de Robert; também vazio e desalento pelo vazio e desalento em Robert.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O salto de fé exigido ao católico pelo marxista

Concentração e distração: contradições da nossa época

A ideologia como confissão da impotência política