O amor e o sentido da vida
O amor não correspondido expressa uma falha
num relacionamento desejado por um e repudiado por outro. O amor não
correspondido é a frustração do amante diante da “coisa amada”. Não há
reciprocidade e, por isso mesmo, este tipo de amor é vivido como humilhação e
penosidade por aquele que ama sem ser amado. É verdade que existindo relação,
mesmo relação pretensamente amorosa, havendo casal, é impossível medir os graus
ou intensidade de amor que os amantes respetivamente dedicam ao seu par. Também
por isso talvez muitos casais necessitem das provas de amor que cada envolvido
na relação presta ao outro. Podendo dar-se então o caso de um elemento do casal
julgar que dá muito mais amor do que àquele que recebe, e, por esse cálculo
sentimental, ver-se como que “amputado” na sua relação. E o problema neste
juízo de amor não correspondido é que o amante não consegue libertar-se da frustração
de amar mais do que aquilo que recebe de amor por uma mera operação de troca
material; como se o amor pudesse ser afinal quantificado. Se este imaginado
amante crê na sua intimidade que o seu amor não é devidamente retribuído é o
potencial de amor comum do casal que se encontra ferido de morte. Não há forma
de sarar um amor não correspondido pelo simples facto de este amor procurar uma
medida de troca que é impossível, que não faz parte do conceito de amor. Por outro
lado, há outra forma de amor não correspondido que é a forma mais sublime de
amor, na medida que incondicional, liberto do formalismo da reciprocidade. Um
amor que se satisfaz pela sua não reciprocidade, mais ainda, que se alimenta
desta incapacidade de retribuir, de corresponder. Um amor que é pura abnegação
ao outro não significando necessariamente por isso submissão ao outro. Um amor
que se fortalece e se sedimenta pela felicidade de não conseguir corresponder,
de estar sempre aquém de tudo aquilo que o outro significa para nós, da sua
importância da nossa vida. Esta forma de amor é talvez a forma de amor mais
radical e até elevada. Pois que nos faz estar sempre em dívida para com o outro
fazendo deste uma dádiva absoluta perante a qual não há maneira de “pagar” ou
de transcender. Esta forma particular de amor não correspondido é tão potente,
tão visceral na nossa existência (para quem tem a felicidade de ser agraciado
por esta experiência quase ascética de amor), que é suficiente para iluminar o
sentido da nossa existência, já que esta passa a justificar-se pela vontade de
corresponder mesmo sabendo, à partida, que é impossível de corresponder, por
mais tempo que passe na Terra ou por mais provas que faça do seu amor. Amar
desta forma tão fundamental é verdadeiramente dar graça por estar vivo para
esse amor único.
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