O tempo que nos devora

 



Essa contradição dilacerava-o. De um lado, a implacável maquinaria das instituições que replicavam com exemplaridade a predestinação divina; do outro, o sentimento de que não controlava o seu destino. Quando era criança leu um conto sobre uma outra criança que desejava de tal forma conhecer o seu futuro que uma fada lhe ofereceu um novelo que a fazia envelhecer, antecipando assim o futuro, à medida que o desenrolava. E sem fazer muita atenção ao conselho da fada para usar o novelo com precaução começou por desenrolar timidamente o emaranhado de fios logo se descobrindo na adolescência e a experimentar o primeiro beijo. Desenrolou mais um pouco e já se matriculava na faculdade de letras. E como se a curiosidade apenas aumentasse à medida que via, na verdade vivia, o seu futuro, continuou a desenrolar até se encontrar casada e com dois lindos filhos. Mas o seu desejo de conhecer o que seria feito de si, da sua vida, ao invés de diminuir apenas aumentava. Desenrolou ainda mais. Agora fechava as portas à sua vida enquanto professora de língua francesa aposentando-se. Do novelo pouco fio restava e ela, Medley, estava velha, o marido entretanto havia falecido e os seus filhos se emancipado. E foi precisamente nesse momento, quando Medley estava em fim de vida, solitária e sem esperança, que a fada lhe voltou a aparecer confrontando-a com a sua imprudência e insensatez, relembrando-a da sua advertência para que tomasse cautela. O irrefreável desejo pelo amanhã acabou por lhe devorar todo o tempo de vida. Robert nunca se esqueceu deste conto e de sua moral. Devemos assumir uma relação positiva com o tempo aproveitando cada dia, cada momento, como se a nossa existência se fundisse no tempo, como se fosse ela mesma constituída de temporalidade. Se a nossa ânsia e angústia pelo futuro nos privar de vivermos o presente é a nossa própria vida que é desbaratada. Ainda assim, mesmo pensando nesta narrativa de infância, Robert encontrava-se de tal forma atemorizado pelo futuro e suas consequências que não conseguia privar-se do desejo de atropelar o presente. Quem lhe dera que uma fada do tempo lhe aparecesse oferecendo-lhe um novelo! Aquelas que eram as suas expetativas de futuro apresentavam-se de tal forma confusas e mesmo enubladas e turvas que escapar ao presente era um imperativo do presente. No fundo queria perceber se sobreviveria, se tudo acabaria bem, só isso. Na verdade, e contrariamente à moral do conto, apenas desejava saber se tudo acabaria por se compor de forma a apaziguar a sua ansiedade presente. Nada mais. Mas travava uma luta desigual. Entre os mecanismos de controlo do tempo pelas instituições da sociedade e a absoluta aleatoriedade em que subitamente se convertera a sua vida. Robert não sabia se era possível treinar o seu corpo e a sua alma para viver numa espécie de eterno presente, mas o que o atormentava mesmo era a falta de perspetivas de futuro.

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