Idade-limiar

 


Sentia-se viver numa espécie de idade-limiar. Entre a decadência que se avizinhava, que já presenciava, e a juventude que se perdia, que já tinha perdido. Então não tinha nada a perder pois estava à beira de tudo perder. Se queria dar um rumo à sua vida era agora. Um só ano mais tarde bastaria para já chegar demasiado tarde. E entretanto o tempo impunha a sua lei de aço. As rugas sinalizavam algo de irreversível, que já tinha passado para o outro lado dessa espécie de curva da oportunidade. Agora dependia menos da iniciativa do que da fortuna, do acaso. Esperava e essa espera angustiava-o, exacerbava a sua melancolia. Havia desenvolvido um profundo receio de acabar os seus dias sozinho. A solidão apavorava-o. Logo a ele, que sempre dependera da sua reclusão, e também tristeza, e se acostumara a se desenvencilhar sozinho. E agora a ideia de ficar sozinho significava para ele fracasso, incapacidade de compartilhar a sua vida íntima com alguém, de alguém querer partilhar a sua vida íntima com ele, e, pior ainda, desespero e autodestruição. Que fantasmas deambulariam pelos aposentos da casa herdada? Que silêncio sepulcral procuraria a todo o custo vencer, recusar? Em quanto tempo os quartos entretanto esvaziados da presença humana se cobririam de pó? Que vegetação cobriria as paredes da casa? Como suportaria a desproporção entre o tamanho dessa casa e as suas necessidades pessoais? Que espécie de loucura preencheria essas carências? Robert tinha tamanha ânsia de futuro, uma ânsia paradoxalmente alimentada por um profundo temor por este, que além de ser incapaz de viver no presente, de usufruir, o fenómeno do envelhecimento significava nada menos do que catástrofe, um castigo que antevia não ser capaz de suportar. Pudesse ele ao menos congelar o tempo; acostumar-se a esse desespero mudo que ao menos já conhecia… 

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