Mãos


As mãos, aquilo que lhe era mais próximo, começou a parecer-lhe aquilo que lhe era mais estranho, como um órgão costurado ao resto do seu corpo, um enxerto de um outro corpo. As suas mãos aparentavam-lhe francamente grotescas; grossas, desarmoniosas e desajeitadas como nunca as vira. E logo ele que cuidada tanto das suas mãos delicadas que julgava até de pianista, longas e adelgaçadas, níveas como a neve, frágeis e simultaneamente nervosas, aparentemente inquebráveis, de rosada cartilagem. E agora não conseguia lidar com as suas mãos ao ponto de as desejar amputar. Quem lhe pudesse livrar daquelas mãos de lavrador, intumescidas pela lavoura, desfiguradas pela passagem da matéria do tempo, inchadas como se padecessem de algum tumor. Aquelas mãos que batiam por dentro como um coração. Aquelas mãos acabariam por se tornar na sua perdição… Talvez as levasse a apertar o seu pescoço ou as flagelar mutuamente até nada mais delas restar do que dois tocos completamente irreconhecíveis. Quem sabe carbonizadas. Se as suas mãos lhe eram cada vez mais distantes, mais desconhecidas, isso significava também que lhe eram cada vez mais autónomas, mais livres, ao ponto de terem vida própria. Robert tinha plena consciência que mais cedo ou mais tarde acabaria por travar uma guerra letal contra as suas mãos. Não o cérebro, não os intestinos, mas as mãos.

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