Uma comédia de enganos


Queria a todo o custo tirá-la dos seus pensamentos. Tinha sido infetado, era assim que pensava. O seu desejo, a atração sexual, tinha infetado a sua mente e agora quase não conseguia deixar de pensar nela. Em Medley. Como essa música que não nos larga, que trauteamos instintivamente, maquinalmente, sem o intencionarmos. Não conseguia tirá-la da cabeça e, por isso, precisava de a substituir por outra coisa, por uma outra obsessão. Então, primeiro, experimentou beber até ficar de rastos. E passava dois ou três dias com a cabeça a latejar não se conseguindo concentrar no trabalho. Mas, passada a ressaca, restaurada a vitalidade do corpo, o vírus de Medley voltava a atacá-lo, por vezes ainda com maior intensidade. Enfim, não resultava. Sentia-se de algum modo doente, em vão procurava justificar toda aquela atração por alguém com quem tinha tão pouco em comum. Era verdadeiramente irrazoável e insensato. O que é certo é que por mais absurda que fosse toda a situação era bem real e estava a corroê-lo por dentro, a contaminar os seus dias, a inquinar as suas relações sociais, a impedi-lo de seguir em frente. Por isso ganhou forças e atreveu-se a atirar-se a outra rapariga que até era amiga da sua (mal)amada Medley. Com Robert era assim, não conseguia sair de uma embrulhada sem se enfiar numa outra ou sem piorar uma situação que já estava difícil. E então perdeu uma e outra. A primeira passou a desprezá-lo e a segunda rejeitou-o. Agora não apenas não conseguia deixar de pensar em Medley como ainda tinha de viver com o facto de ter sido rejeitado por outra mulher. E, mais uma vez, para procurar ultrapassar esta dupla humilhação declarou-se a Medley -- por telefone já que não tinha tomates para o fazer cara a cara. Como que apanhada de surpresa, sem saber muito bem o que dizer, encavacada, Medley nem sequer retorquiu, nem sequer agradeceu, apenas se despediu algo atabalhoadamente e isso foi para Robert como que o mundo inteiro à sua volta desabasse. Agora era vê-lo perdido pelas ruas da cidade como uma alma penada, cabisbaixo e de uma tristeza que fazia encolher as árvores por onde passava.

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